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Entrevista concedida a Carolina Cagno do site Blog da Saúde (www.blogdasaude.com.br) , sobre Comportamento e educação no trânsito.


1. Fatores da vida pessoal podem refletir no modo como as pessoas dirigem?
Sim. Uma pessoa insegura, com baixa auto-estima, por ex., pode dirigir com excesso de velocidade, ou fazer manobras perigosas, e relatar, com explicito ar de herói do asfalto, que fez tal e tal percurso em um tempo espantoso, que fez uma ultrapassagem cinematográfica etc. A pessoa se sente reconhecida (às vezes, tal reconhecimento pode ser real dependendo dos valores e crenças de seus ouvintes) e se autovaloriza com seu feito. Há, por certo, maneiras mais prudentes, maduras e construtivas para uma pessoa manejar suas dificuldades pessoais que não colocando sua vida e a de outras pessoas em risco. Muitos outros perfis de personalidade, de déficits comportamentais, no entanto, poderiam explicar desatinos de motoristas no trânsito. Há que ser apontado, que fatores sociais e culturais interagem com as características pessoais do motorista. Assim, as leis de trânsito, a precária manutenção de estrada e vias públicas, as sinalizações deficientes, congestionamentos, fiscalização quase inexistente, corrupção em vários níveis do sistema coordenador e regulador do trânsito, a não aplicação de penalidades, recursos dentro do sistema judiciário que interpretam faltas gravíssimas como incidentes triviais, o modelo de impunidade em todos os níveis de organização do país etc. contribuem para a explosão irresponsável de sintomas pessoais. Organize-se o Sistema e a inibição aos excessos decorrerá naturalmente, independente de padrões pessoais idiossincráticos.

2. Existe alguma doença que deixe a pessoa suscetível a perder a paciência no trânsito?
Acredito que há casos em que determinados quadros psicopatológicos predispõem a pessoa a reagir de maneira incomum no trânsito. Não me parece, no entanto, que essa devesse ser a primeira preocupação das pessoas responsáveis pelas condições do trânsito, desdenhando uma política de atuação mais abrangente e responsável, conforme sugerido na questão anterior. Pessoas com alguma forma de desequilíbrio grave, podem ser orientadas por médicos, psicólogos, familiares e – se for o caso – até contidas. Há, porém casos mais corriqueiros e igualmente graves que fogem ao controle no dia a dia. Por exemplo, o uso abusivo do álcool. Uma pessoa pode quase literalmente se “transformar” após o consumo de álcool e agredir até seus acompanhantes (quantas esposas não reclamam de seus maridos alcoolizados que se recusam agressivamente a entregar a chave do carro após uma noitada com bebida!). O motorista alcoolizado aposta que não haverá fiscalização no percurso até sua casa, aposta que subornará um guarda que o detenha, aposta que se detido o advogado dará um jeito e... se chegar vivo em casa ainda contará com ar de triunfo sua ameaçadora proeza!

3. Que fatores podem resultar numa atitude de violência no trânsito?
Olhe para a Família, para a Escola, para as Instituições que formam uma pessoa de bem, um cidadão consciente e você encontrará a resposta para a questão posta. Prejuízos alarmantes para o saudável desenvolvimento de uma criança (a qual virá a ser o adulto que nos preocupa) são produzidos por uma convivência familiar precária, inconsistente e irresponsável. A boa formação de uma criança envolve atenção, carinho, disciplina, orientação etc. em múltiplas e abrangentes áreas do desenvolvimento infantil. Assim, a criança que não faz a lição da escola, que agride seus professores, que desobedece os pais, que não ajuda nas tarefas caseiras, que não mostra ternura por aqueles que a cerca, que não foi cuidada com presença e amor pelos pais que não foi exposta a bons modelos, que convive com exceções dadas aos poderosos etc. etc. não vai, provavelmente, aderir a padrões éticos, responsáveis em uma área específica, qual seja o trânsito. Há aspectos da vida cotidiana que são fundamentais, nos quais se faz necessária tolerância zero e nos quais maus exemplos não podem ser inseridos. Quando se espera desempenho apropriado em áreas específicas e isoladas de uma formação humana abrangente e integrada, há necessidade de introduzir medidas coercitivas intensas e vigilância severa que não são recomendáveis, nem defensáveis. Punição não ensina comportamentos apropriados; enfraquece os padrões inadequados temporariamente, apenas enquanto o agente punitivo está presente; gera agressividade e contracontrole inadequados etc. Sem formação apropriada, os resultados desejados serão precários: mostre-se a família, a escola, a sociedade a que o cidadão pertence e pode-se antecipar como ele se portará.

4. Há um perfil de pessoas mais propensas a brigar no trânsito?
As pessoas com baixa tolerância a frustração têm dificuldades importantes para adiar gratificações e para tolerar condições adversas. Tendem, portanto, a reagir agressivamente, quando as condições lhes parecem adversas. As pessoas pouco flexíveis não conseguem mudar seus objetivos imediatos e quando impedidas de atingir diretamente e de forma previsível e estereotipada suas metas, reagem de maneiras inesperadas e indesejáveis. Não conseguem mudar suas rotinas e, simplesmente, são incapazes de esperar, de ouvir uma música, de adiar suas necessidades imediatas etc. Pessoas competitivas podem interpretar de forma arbitrária e imprópria situações triviais como uma ultrapassagem. Pessoas pouco sensíveis às necessidades do outro tendem a interpretar determinadas atitudes do outro motorista – por exemplo, um sinal de luz pedindo passagem – como agressão (a ser revidada de pronto) e não simplesmente como um pedido feito por alguém que está atrasado para um compromisso. Fundamentalmente, as pessoas mais propensas a brigar no trânsito têm déficits comportamentais e afetivos importantes. Aquelas que agridem, usando o próprio veiculo como sua arma de agressão, são em geral frustradas, medrosas, impotentes diante das dificuldades da vida e incapazes de dialogar.

5. Que perigos corremos nesse tipo de briga?
É sempre importante ter em mente que o agressor (ou o transgressor habitual de normas de trânsito) tem déficits emocionais e comportamentais, além de que, adicionalmente, pode estar fora de seu estado fisiológico normal por abuso de álcool ou outras drogas. Não revide, não o desafie, não inicie nenhuma forma de diálogo “conscientizador”, pois tais atitudes podem parecer ao outro desafio, provocação e propiciar mais agressão. O diálogo pressupõe uma razoável equivalência de bom senso, de cultura, de valores, de princípios éticos. Se tal equilíbrio não existe a conversa entre duas pessoas pode ser o início de um debate, com desfecho imprevisível e preocupante. Você não conhece o condutor do outro carro... Se você prevê perigo iminente para outros motoristas, pedestres ou até mesmo para o agressor, é mais prudente avisar alguma autoridade competente para cuidar da situação. Não superestime sua capacidade de negociar situações estressantes e nem subestime o grau de agressividade do outro.

6. O que devemos fazer para evitá-las? Se escutarmos um insulto do motorista ao lado, o que fazer para se controlar e não responder?
O melhor procedimento é ignorar sinais de agressão, afastar-se da área de perigo (cedendo a passagem, reduzindo sua velocidade, alterando o percurso) e pensar que sua postura mostra equilíbrio e maturidade e que o agressor não está agredindo você (quem ele quase certamente nem conhece), mas um outro anônimo, a quem dirige suas frustrações e dissabores. Evite olhar fixamente para ele, pois tal comportamento pode parecer desafio. Fazer gestos obscenos, nem pensar. Ligue o rádio, mude a sintonia em busca de algo que lhe interesse. O agressor não deve ser o foco mais importante de sua atenção.
Concluindo, a agressividade no trânsito é função da característica da pessoa que se comporta, mas para entender tais comportamentos agressivos é necessário ampliar o alcance de nossa análise. Tal análise deve incluir história familiar, padrões éticos da sociedade a que pertence o indivíduo, o grau de desenvolvimento humanista das pessoas, consciência de cidadania. A preocupação de uma sociedade com o bem estar de seus cidadãos deve incluir práticas de formação preventiva dos cidadãos (mas não dirigidas apenas para as camadas privilegiadas) que incluam autocontrole, tolerância à frustração, respeito à dignidade e sentimentos do outro, responsabilidade social e individual, num contexto de regras claras sobre os direitos e os deveres de cada um, aplicadas com justiça e ponderação, sem exceções determinadas por interesses políticos, econômicos ou por qualquer outra forma de poder. A formação de cada cidadão deve incluir todas as áreas que envolvem respeito recíproco (e não se restringir apenas a algumas áreas, como a do trânsito, que foi enfocada neste texto). Tal formação pressupõe ações integradas e sistemáticas desde a Família, Escola, Governo e demais Instituições responsáveis pela instalação e manutenção dos valores nobres do ser humano.

7. Motoristas com passageiros mudam significamente a maneira de guiar
A presença de um passageiro pode ou não amenizar a agressividade do motorista. Não é garantia de nada. Se o passageiro é a fonte principal da ira despertada, determinada reação aos comportamentos do agressor pode piorar ao invés de amenizar a situação. Não há como prever isso à distância. Às vezes, a presença de uma pessoa querida (por exemplo, um filho ou uma mãe) pode manter uma pessoa, usualmente, impulsiva, tranqüila. O problema, porém, pode surgir, a qualquer momento, quando a calma controlada (não espontânea) é interrompida por algum evento que escape ao controle do passageiro. Uma pessoa que tende a se portar de maneira agressiva ou impulsiva em geral não é muito sensível a presença do outro. Não se sinta protegido pela simples presença de um passageiro, na maior parte das vezes ele é tão vítima quanto você.

Obs: meus comentários cabem a agressões sistemáticas e com grau preocupante de agressividade. Pessoas que, num momento de estresse específico, ou assustadas por um evento inesperado, soltam um palavrão dirigido a lugar nenhum e a pessoa nenhuma não merecem maiores preocupações. São gente como a gente!...


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